Realmente não sei onde errei ou, talvez eu saiba e seja mais confortável dizer que não. Ponderar o imponderável seguir com o palpite louco contra todos os prognósticos, ignorando de uma forma irascível e solene todo o conhecimento angariado por anos de cabeçadas hípicas e outras etílicas e mais algumas banais.
O resultado só poderia ser este. Viola em caco e banca quebrada na aposta placê.
O doloroso não é a volta na chuva com os pés molhados em poças.
O Doloroso é saber dos terceiros envolvidos
Isso Dói pra caralho...
Mas de qualquer forma, resta voltar e tentar encontrar alguma coisa que faça seguir em frente.
Às vezes isso conforta e às vezes, isso se torna uma busca tão frenética e insana que, sinceramente, da vontade de parar e mandar tudo à merda.
MAS HÁ OUTROS QUE PRECISAM DE VOCÊ.
Então, você vai e entra naquele velho salão escuro, conhecido de seus olhos e busca por alguma novidade, mas elas não estão lá.
Apenas o velho ranço, as coisas espalhadas de forma desconexa e aparentemente, deixadas ao léu de forma proposital, apenas pra te deixar ainda mais emputecido.
Então, as mãos percorrem o conteúdo dos bolsos puídos, por anos de sujeira, fuligem e sabe lá deus o que mais e encontra o velho bilhete.
Uma aposta feita contra todos os prognósticos.
Uma aposta no azarão tentando, em vão lançar-se ao céu em um só salto.
Uma aposta que só poderia dar em merda.
Agora, é banheiro, cigarro e uma música pra ouvir.
Olhar as pernas e saber que ainda resta força pra levantar, sacudir a poeira e seguir em frente.
Contra todos os prognósticos e vencer.
Só por saber que você ainda tem algo que vale a pena pra mostrar.
Acordei, levantei da cama, acendi um cigarro e depois sai pra rua. Era um dia claro e ameno de outono. Fernando Henrique Cardoso era o presidente do Brasil na época.
Abri minha caixa de correio e havia muita porcaria que joguei fora sem ao menos me importar. Contas, artigos de oficina e outras coisas, que devido ao meu estado físico prejudicado em razão de uma cirurgia de joelho não me eram interessantes no momento, mas uma me chamou a atenção.
Era de uma leitora de meus contos. Chamava-se Vera e eramesmo uma boa cara.
Trocamos correspondências e telefonemas. Sua voz era grossa e um pouco rouca, mas tinha uma timidez sexy e atraente. Era corpulenta, mas não chegava a gorda. Uma campeã dos meio pesados. Seios grandes e redondos e um cabelo negro como a noite.
Por fim, acabou acontecendo de uma forma qualquer.
Marcamos um encontro.
É claro que seria uma coisa normal e tal, mas algo não me cheirava bem e tempos depois eu iria descobrir.
Nos encontramos num bar meia classe em west zone.
Ela chegou linda e por mais incrível que possa parecer estava interessada em mim em essência.
Talvez um prazer pelos bêbados e derrotados, quem sabe.
Eu dirigia um velho italiano vermelho que vira e mexe me pregava peças e ela chegou a bordo de um francês zero quilômetro.
Conversamos e era um papo agradável.
Disse-me ter acabado de sair da faculdade e cursara artes cênicas em uma faculdade cujo valor da mensalidade poderia pagar todo o meu ano.
Senti como se perdesse ali, uns 20 cm de altura.
Olhei pro meu carro e o dela e mais 10 cm me deixaram...
Minhas roupas puídas e gastas, contrastavam com as dela, importadas de algum quinto dos infernos indianos de Bali.
Trocamos um beijo e depois outro e comecei a beber um scotch enquanto ela tomava um suco de grapefruit.
Na hora de se despedir entrei em meu carro e ela no dela.
Rumei pra east side sentido o banco do carro estranho. Parei num semáforo e coloquei-o mais à frente.
Dias depois ela me ligou e que fosse até sua casa.
Quando ela me deu o endereço senti que mais ou menos uns 50 cm de altura me deixavam, mas assim mesmo me sentei na velha jabiraca e me mandei pra lá.
Ajeitei o banco mais à frente novamente. Estava realmente diminuindo.
Quando cheguei era um GRANDE condomínio de luxo. Fui barrado na entrada por um segurança brutamontes e com cara de estúpido, mas com um corte de cabelo da moda.
Falei meu nome e aguardei
Aguardei...
Aguardei...
Até que ela apareceu.
Pediu que eu entrasse, mas quando olhei a grande alameda com cactos importados lá do cu das florestas peruanas, senti que estava ainda menor e não pude.
-Vera.
-Sim Cliff.
-Olha, eu te acho uma mulher fantástica, mas acho melhor pararmos isso por aqui.
-Por que?
-Você pertence a um mundo que eu não conheço e não tenho ticket pra entrar.Esse lance pobretão na alta roda só da certo em Hollywood.
-Isso não tem nada a ver.
-Tem sim. Adoraria ficar com você, realmente, mas não dá.
-A gente ainda se fala?
-Sim.
Olhei pra trás e vi o grande portão se fechar e seu vulto sumir.
Tentei entrar no carro, mas não consegui.
Estava medindo cerca de 30 cm de altura.
Corri pela alameda vendo tudo extremamente enorme, como era na verdade.
Imaginei o futuro. Eu sentado em uma larga mesa de jantar e enquanto Vera e família mostravam os diplomas eu não tinha nada além de uma rola preta, dividas, grilos e uma cuca fundida.
Vi um bar e entrei.
Ninguém me notava.
Esbarrei numa garrafa de cerveja que quase me matou ao cair sobre mim.
O liquido me banhou e ganhei uns 20 cm.
Dei um gole, lambendo o balcão como um cachorro faminto e consegui um pouco mais de tamanho.
Vários goles após, eu já era dono de meu um metro e oitenta novamente.
Entrei no carro e dirigi até uma velha avenida já cantada na década de 60.
De volta pra minha altura normal, meu mundo normal, minha vida normal.