segunda-feira, 28 de outubro de 2013

RETRATO

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Ele entrou em casa, descalçou as botas, tirou as chaves do bolso, pendurou-as no chaveiro e foi à cozinha.

ESTAVA TUDO COMO DE COSTUME.

Um caos quase que obsceno, assassino, surreal.
Randall então foi até a pia e salvou um copo naufrago em meio ao tsunami de louça que se projetava a sua frente, lavou-o e serviu-se de uma dose de whiskey.
Viu de relance sua imagem refletida no copo.
Brutal e dilacerada pelo tempo, pela loucura, por todos os problemas que, de certa forma ele mesmo causara a si.
Não tinha quem culpar a não ser ele mesmo.
A vida é feita de escolhas e ele fizera algumas erradas.
Bem erradas.
Ele sabia que estava encrencado, destruído e com uma porcentagem bem pequena de chance de virada e estava longe de estar morto o que, naquele instante, sob a luz empoeirada da lâmpada da cozinha não pareceu ser lá muito vantajoso.
Então, acendeu um cigarro e ao soprar a fumaça percebeu o retrato na sala.
Gostaria de ser um escritor pra descrever a sensação em palavras.
Sempre admirou os escritores. Eram capazes de definir as sensações de uma forma diferente do usual, com magia e beleza.
Gostaria de dizer algo como “O tempo, a felicidade e de certa forma a vida, presa num distante instante e uma esperança ignóbil de que tudo volte a ser como era Uma pessoa tem direito a sonhos, mas quando eles são loucos demais é melhor acordar", gostaria de tocar uma música que mostrasse em acordes o que ele sentia, mas ele não sabia fazer nada disso.
Ouviu o som da tv e sentiu inveja daquela calmaria, daquela alienação feliz e insana, daquela insensatez festiva e mórbida.
Sabia que não poderia voltar pra dentro daquele momento.
Sabia que ele jazia morto num lugar distante do passado e NADA o traria de volta e que cada tentativa, soava ainda mais desastrosa e fútil.
Voltou pra cozinha, serviu-se de mais uma dose, imergindo na fumaça do cigarro enquanto o retrato guardava seu sonho, louco demais e incapaz de ser acordado.





sexta-feira, 25 de outubro de 2013

POESIAS ESCRITAS EM SEMAFOROS FECHADOS

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No carro, no trânsito homicida e brutal
No meio do centro, entre os prédios cinzas e paredes de cobalto
Na fumaça do cigarro que baila misteriosa
Emergindo flamejante em seu costume marcial

 EU VEJO VOCÊ


No sorriso embalado pela bebida que destila as mazelas
Nas mãos dos pintores eternizadas em suas telas
Nas canções gritadas parcas de técnica e cheias de emoção
Em filas de supermercado, eu, velho, abjeto e sem nenhuma razão

 EU OUÇO VOCÊ

Sem querer te guardar
Sem querer te prender
Sem conseguir te definir
Sensível demais pra tentar entender

EU SINTO VOCÊ

E é o que me basta pra seguir
E é o que faz esse rabugento sorrir
E é o que me faz querer queimar em seu fogo

Pra que ele me consuma, me mate e me enlouqueça
Pra que ele dure até se extinguir, não importe o que aconteça.







terça-feira, 15 de outubro de 2013

MEU PÁSSARO CINZA

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Meu Pássaro  é cinza

Soltei meu pássaro cinza
Pra voar pela sala
Numa manhã de sábado.
Em frentes aos guris
Que riram com ele
Que se assustaram com sua pequenez
E ele ficou feliz por ver essa gente
Pela primeira vez.

Depois tranquei-o de novo
Aqui no meu peito
E lá naquela jaula azul
A menina bonita não pode lhe ver
Nem o homem áspero pode lhe conhecer
Talvez o cara legal que escreve tão bem
Mas nunca o panaca com cara de cavalo
Aquele ao qual não quero bem.

Alguns já o viram por ai
Mas são bons o suficiente para manterem-se calados
Sabem que não vou deixa-lo morrer
Mas sabem que ele não deve voar por ai
Assim pra qualquer lado

E ele precisa ficar ali fechado
Por que ele preso me faz ser quem sou
E quando ele sai
Bem, diabos eu choro
Contrariando seu criador
Que por ele jamais chorou.
Baseado no poema “Bluebird” de Charles Bukowski.