(Obituário Parte III)
Liguei a tv e vi o lance de Realengo. Merda! Até crime agora a gente importa! Junto com tênis, celular, pasta de dente, vibrador, café solúvel, videogame...
Na hora lembrei de quando eu estava no jardim da infância.
Encenaram uma peça do lobo mau e chapeuzinho vermelho.
Na minha classe tinha um garoto chamado Samuel. O Samuca.
O Samuca não falava com quase ninguém. Ele era um garoto gordo, com uma baita de uma cara de bolacha de maisena.A nossa professora chamava-se Susy. No tempo, eu a achava uma “moça bonita” e muito bacana com meu pai.
Hoje, vinte e tantos anos depois, percebo que ela era uma baita de uma gostosa coxuda e que provavelmente meu velho estava tentando fodê-la. Talvez ele tenha conseguido, talvez não.
Mas voltando à vaca fria...O Samuel era meio lerdão. Talvez tivesse problemas mentais, talvez viesse só de uma familia complicada, talvez...Só sei que na porra da peça Eu fui o lobo mau, (Como de costume, imitando a tv, o preto tem que fazer o papel do vilão) A Fabiana que era uma menina bonitinha foi a chapeuzinho e o Samuel...Bem, o Samuel foi a arvore.
Claro, todo mundo aloprava o Samuel. E depois eu fui pra outra escola, e tinha sempre um cara que era aloprado. Não sei se esse cara podia ter sae tornado um louco e pegar a porra de uma uzi e sair metralhando as pessoas em sua escola.
Mas agora aconteceu aqui e ta todo mundo de cara.
A verdade é que somos criados numa sociedade cruel com as diferenças. Eu fui o único preto da minha escola na infância e sei como é isso.
No fim das contas fiquei com dó do atirador de realengo como foi o nome que a imprensa resolveu dar pro caso. Uma mente perturbada e confusa que acabou fazendo uma baita de uma merda.
Poderia ser o Samuel...
Poderia ser o Cri-Cri...
Poderia ser o Charles Tragédia...
Desde o começo desse ano que muita gente boa e próxima tem morrido. De forma, rápida e assustadora. Às vezes sinto que a dama da foice tem me cercado recentemente, como um predador pronto pra dar o bote.
Se for, que seja.
Desligo a tv, ligo o tocador de musicas do Celular e coloco uma musica boa pra tocar.
Saio pras ruas.
Talvez o Samuca esteja lá atrás de uma arvore, com um oitão na mão me culpando por ter sido o lobo mau.
Talvez não.