sexta-feira, 15 de abril de 2011

Cachorro Louco.




(Obituário Parte III)


Liguei a tv e vi o lance de Realengo. Merda! Até crime agora a gente importa! Junto com tênis, celular, pasta de dente, vibrador, café solúvel, videogame...

Na hora lembrei de quando eu estava no jardim da infância.

Encenaram uma peça do lobo mau e chapeuzinho vermelho.

Na minha classe tinha um garoto chamado Samuel. O Samuca.

O Samuca não falava com quase ninguém. Ele era um garoto gordo, com uma baita de uma cara de bolacha de maisena.A nossa professora chamava-se Susy. No tempo, eu a achava uma “moça bonita” e muito bacana com meu pai.

Hoje, vinte e tantos anos depois, percebo que ela era uma baita de uma gostosa coxuda e que provavelmente meu velho estava tentando fodê-la. Talvez ele tenha conseguido, talvez não.

Mas voltando à vaca fria...O Samuel era meio lerdão. Talvez tivesse problemas mentais, talvez viesse só de uma familia complicada, talvez...Só sei que na porra da peça Eu fui o lobo mau, (Como de costume, imitando a tv, o preto tem que fazer o papel do vilão) A Fabiana que era uma menina bonitinha foi a chapeuzinho e o Samuel...Bem, o Samuel foi a arvore.

Claro, todo mundo aloprava o Samuel. E depois eu fui pra outra escola, e tinha sempre um cara que era aloprado. Não sei se esse cara podia ter sae tornado um louco e pegar a porra de uma uzi e sair metralhando as pessoas em sua escola.

Mas agora aconteceu aqui e ta todo mundo de cara.

A verdade é que somos criados numa sociedade cruel com as diferenças. Eu fui o único preto da minha escola na infância e sei como é isso.

No fim das contas fiquei com dó do atirador de realengo como foi o nome que a imprensa resolveu dar pro caso. Uma mente perturbada e confusa que acabou fazendo uma baita de uma merda.

Poderia ser o Samuel...

Poderia ser o Cri-Cri...

Poderia ser o Charles Tragédia...

Desde o começo desse ano que muita gente boa e próxima tem morrido. De forma, rápida e assustadora. Às vezes sinto que a dama da foice tem me cercado recentemente, como um predador pronto pra dar o bote.

Se for, que seja.

Desligo a tv, ligo o tocador de musicas do Celular e coloco uma musica boa pra tocar.

Saio pras ruas.

Talvez o Samuca esteja lá atrás de uma arvore, com um oitão na mão me culpando por ter sido o lobo mau.

Talvez não.



sábado, 9 de abril de 2011

Fins e Começos




Obituário (Parte II)

Cheguei ao serviço e Benny me deu a noticia.

-Mataram o Jason.

-Porra! Mas que merda! Quando foi isso?

-Hoje de manhã.

-É mesmo uma merda...

-É...Faz a gente pensar nas coisas.

-Oh!

-Bom, vou nessa Cliff.

-Até.

Me troquei e depois pensei no lance.

Jason não era meu amigo.A bem da verdade eu o achava um chato de galochas. Só havia trocado idéia uma vez e nessa data discutimos. Mas a morte chega pra todos. Pros que estão preparados e pros que não estão.

Costumo trazer comigo um pensamento que uma vez li num livro.

“Levo a morte comigo dentro do meu bolso do paletó. As vezes tiro ela do bolso, arremesso na parede e depois que ela quica marotamente, a olho e digo. Tudo bem gata, quando vier me buscar estarei preparado”.

A morte em si não importa tanto. O que importa é a vida que levamos até sua chegada.

Muitos estão por ai, cagando em suas vidas, passando por cima preocupados demais com o preço do pão ou buscando incessantemente descobrir quantos quilômetros de rodagem se faz com um litro de gasolina.

Não que eu não me preocupe com as contas pra pagar. Longe disso. Já perdi o sono varias vezes me preocupando com os assuntos diários, mas procuro fazer as coisas que alimentam ao menos minha alma enquanto estou por aqui.

Imaginei o mundo com a minha morte.
O cara de óculos ainda estaria vendendo pães na gôndola do mercado, mas eu não estaria lá.Seria um outro imbecil qualquer.Escritores marginais continuariam a escrever, a pagina continuaria a ser preenchida com idéias, mas as minhas não.Sentiria falta disso.Os guris se tornando grandes homens...Meu Deus...Isso seria de uma falta incrível...
Fariam de mim muito mais legal, corajoso, bonito e forte do que eu jamais fui.É natural, a raça humana sempre exagera em tudo.Seus heróis, seus medos, suas virtudes.E então em descobririam, finalmente eu conseguiria minha editora e me pendurariam em fétidos postes de luz.
Merda...Merda.

Só rezo que não façam a besteira de colocar minhas roupas sobre uma cama.

Parece que toda a personalidade de uma pessoa fica nas suas roupas.

Experimente colocar as peças em forma sobre uma cama. É simplesmente enlouquecedor.

Gostaria sinceramente que no meu funeral só aqueles que realmente tiveram algo em vida, que realmente gostaram aparecessem.

Detesto bajulação barata.

Mas sabia que não seria assim. Sempre haveria gente de fora, querendo por motivos sociais nefastos comparecer.

Preferia me manter coesos as minhas idéias.

Por fim decidi não ir até o local.

Não havia nada de bom pra acrescentar.



O

Daqui um tempo...




Obituário (Parte I)

A sala não continha mais de vinte pessoas. Ao centro 3 garotões bronzeados de Sol conversavam com os rostos lívidos porem aparentando calma e classe. Uma meia dúzia de senhores com caras de bebuns adentraram calmamente o salão. Traziam nas mãos um envelope de papel pardo com algo que certamente era um vidro de moscatel.

Uma senhora de seus 50 e poucos anos junto de uma jovem de seus 30 juntavam-se aos bronzeados e os bêbados.

-Oi Jamal. Como esta?

-É Sam...é algo que a gente sabe que vai acontecer mas não espera. No fim, ele sempre levou isso numa boa.

-Vocês vão fazer aquele lance da doação?

-Sim. O velho merecia ter seus desejos atendidos.

Jamal, Henry e Mick eram mesmo uns garotões bonitos. Tinham se tornado homens talvez antes do tempo muito pelo pai que agora velavam.

Sua Mãe, Betty, juntou-se a eles com a irmã Millie.

Mick então começou retirou de um dos bolsos um pedaço de papel.

“Se nalgum canto além deste salão, em cima ou embaixo houver um bar, acredito que ele esteja sentado ouvindo Alguma musica boa e olhando rabos que passam e fumando como um porco louco.

Talvez ele esteja impaciente com a demora disso tudo e esteja dizendo que “Essa porra ta cheia de onda demais” E que ele só ta cansado de tudo.

Talvez ele esteja chorando com quando via os filmes que gostava. Talvez esteja confuso e vendo que foi tudo diferente do que ele pensava ou cria...

Mas com certeza, esse velho safado esta pedindo apenas que não choremos e que lembremos dele bebendo, rindo, fodendo, escrevendo suas palavras feito bala no papel, sabendo que o cara de óculos ainda estaria vendendo pães na gôndola do mercado, mas ele não estaria lá.Seria um outro imbecil qualquer. Todas as coisas continuaram a andar, a única diferença é que ele não estará lá, e que os guris tornaram-se homens muito com a sua ajuda...

Obrigado pelo preparo deixado, obrigado por todos esses anos...

Vai nessa meu velho

Meu amigo

Meu pai”

Dobrou o papel em quatro pedaços simétricos e carinhosamente depositou sobre o ataúde.

O irmão mais velho e o gêmeo e a irmã se uniram. O moscatel passou de bico em bico até chegar junto ao papel e uma camisa de um clube de futebol, alguns cds e livros.

A musica começa tocar no momento certo.

As mãos levantam o troço e caminham calmas rumo ao destino previamente traçado, cientes que todo campeão tem seu dia de queda.